segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Uma breve história dos corantes de urucum.

          A palavra urucum tem origem na linguagem Tupi-Guarani transliterado “uru-ku” e significa “vermelho”. Seu nome científico “Bixa orellana L” foi dado em homenagem a Francisco de Orellana (1490-1546), um membro da expedição de Francisco Pizarro e o primeiro explorador espanhol que navegou o rio Amazonas.

          Desde os tempos mais remotos, os indígenas empregavam a porção corante das sementes de urucum para tingir de vermelho seus artefatos de caça, pesca, vestimentas, enfeites de guerra e o próprio corpo.

          A primeira referência ao urucum pode ser atribuída a Pero Vaz de Caminha em sua carta a Dom Manuel sobre a descoberta do Brasil. Diz em um trecho da carta:

imageE segundo diziam esses que lá tinham ido, brincaram com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase todos misturados: uns andavam quartejados daquelas tinturas, outros de metades, outros de tanta feição como em pano de ras, e todos com os beiços furados, muitos com os ossos neles, e bastantes sem ossos. Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que, na cor, queriam parecer de castanheiras, embora mais pequenos. E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos, que, esmagando-os entre os dedos, faziam tintura muito vermelha, de que eles andavam tintos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam”.

          Esse relato que descreve a cachopa (“...traziam uns ouriços verdes, que na cor queriam parecer de castanheiras, embora mais pequenos.”) e as sementes do urucum (“... cheios duns grãos vermelhos pequenos, que, esmagando-os entre os dedos, faziam tintura muito vermelha...”).

          O processo artesanal de maceração dos grãos em água e utilização dessa massa corante, aprendida com os índios continuou por muito tempo e era comercializada envolta em folhas de bananeiras. Freire, em sua publicação de 1936 (Ligeiras informações sobre a cultura e a indústria do urucu) cita a fabricação do que ele chama de “pães de urucu”, da seguinte forma:

imageAs sementes colhidas logo são lançadas em uma gamela ou celha, escaldam-se com água a ferver; a massa é remexida freqüente vezes para separar o testa ceráceo das sementes. Depois de alguns dias é a massa passada por um crivo, para extremar a substância tintorial. Dá-se descanso ao líquido durante uma semana a fim de fermentar e poder depositar a matéria corante. Passado esse tempo retira-se a água clara. A matéria tintorial que assentou é depois distribuída em recipientes apropriados, para que a umidade excessiva se evapore à sombra. Quando a substância adquire a consistência da massa de vidraceiro, dá-se-lhe a forma de pães que se envolvem em folha de bananeira. É esse o pão de urucum que se exporta em grande quantidade do Brasil”.

          No Brasil, o consumo desse corante logo passou a ser feito com a semente moída, que ganhou o nome de colorau em referência a uma especiaria portuguesa homônima, de coloração similar, feita com pimentão vermelho moído. Com o aumento do consumo desse corante e a escassez das sementes de urucum, a alternativa encontrada na época foi a adição de milho às sementes de urucum. Freire (1936) escreve: “Diante porém da escassez de sementes dessa natureza é o colorau adicionado na sua fabricação de grande percentagem de milho, numa porção de 2:1 para cada uma dessas espécies de sementes”. Nascia naquela época o colorau como é comercializado hoje.

          Atualmente o Brasil é o maior produtor de sementes e corantes de urucum, com uma produção estimada em 2013 de 14.000 Toneladas. No varejo, o principal produto derivado das sementes de urucum é o colorau mas seus pigmentos são encontrados em muitos produtos como massas, salsichas, queijos prata, sorvetes, iogurtes, temperos, etc.


FREIRE, J. Ligeiras informações sobre a cultura do urucum. Boletim do Ministério da Agricultura. Rio de Janeiro. v. 25, n.10, p.141-152, 1936.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Uma receita caseira para fazer o colorau.

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Para a produção de 2kg de colorífico são necessários 300g de sementes de urucum, 35ml de óleo de soja, 300g de sal e 1600g de fubá. Primeiro é necessário a imersão das sementes secas no óleo de soja por uma noite. Depois a mistura deve ser levada a fritura por 3 minutos e deixada em repouso para resfriar. Depois de resfriadas a sementes são moídas (para os mais tradicionais usa-se o pilão). Após a moagem (ou pilagem), a mistura é peneirada e, se necessário, o material retido na peneira retorna ao moinho (ou pilão) para nova trituração. O material moído é então envasado em uma embalagem que o proteja da luz ou armazenado em local onde não haja a incidência de luz solar direta.

Fonte: HILUY, D. J. Como fazer colorau. Nutec. Banco de Soluções n. 13, 1994, 15p

As principais tecnologias de produção industrial do colorau

          O primeiro processo resumido aqui tem como princípio a extração dos pigmentos das sementes de urucum com a farinha de milho, sem a participação das sementes no produto final. Nesse processo as sementes de urucum são misturadas com óleo vegetal, aquecido ou não, em um misturador horizontal. A quantidade de óleo é geralmente próxima a 10% do peso das sementes, mas pode variar de acordo com a qualidade dos grãos. A mistura é conduzida por um período suficiente para que haja a migração parcial dos pigmentos para o óleo. Em seguida é adicionado o fubá e a mistura é continuada até que o pigmento seja transferido para a farinha. A proporção de sementes de urucum e de farinha varia de acordo com a coloração desejada para o colorau e a qualidade da semente de urucum, mas geralmente é utilizada uma proporção entre uma parte de sementes de urucum para três a cinco partes de fubá. Após a transferência do pigmento para o fubá, o sal é adicionado e a mistura é peneirada para a separação das sementes esgotadas. O colorau produzido é então embalado e comercializado.

          O segundo processo para a produção do colorau envolve a trituração das sementes de urucum e sua participação no produto final (colorau). Nesse processo as sementes de urucum são previamente misturadas com óleo vegetal para facilitar a remoção do pigmento. Em seguida os grãos com o óleo são misturados a sementes de milho e ao sal e triturados. A proporção de sementes de urucum e óleo vegetal geralmente é de 10% e a proporção de urucum e de milho também pode variar de acordo com a coloração desejada para o colorau e com a qualidade os grãos de urucum, mas geralmente é utilizada uma proporção entre uma parte de sementes de urucum para três a sete partes de sementes de milho. O produto resultante da moagem é peneirado, embalado e comercializado.

          O terceiro tipo de processo industrial para a produção do colorau envolve uma mistura simples de fubá e sal com um corante já extraído industrialmente das sementes de urucum. O corante utilizado geralmente está emulsionado em óleo vegetal. Esse tipo de processo permite um melhor controle da qualidade do colorau, pois não depende da qualidade da semente de urucum. A proporção de fubá e corante depende diretamente da concentração de pigmentos do corante utilizado.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O Colorau ou Colorífico

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O colorífico ou colorau é o produto derivado do urucum mais utilizado na culinária brasileira. Estima-se mais da metade das sementes de urucum produzidas no Brasil são destinadas para a produção do colorau.
Apesar de ser muitas vezes confundido com o nome da própria planta, o termo colorau serve para dar nome um condimento constituído pela mistura de fubá com os pigmentos do urucum ou com sementes de urucum trituradas, adicionado ou não de sal e de óleos comestíveis.
          A história do colorau é pouco conhecida e, acredita-se que inicialmente esse produto consistia apenas de sementes de urucum moídas em pilão. Segundo FREIRE o colorau da forma como o conhecemos hoje, nasceu da escassez de sementes de urucum. Em sua publicação “Ligeiras informações sobre a cultura do urucum”, do ano de 1936, o autor revela o seguinte: “Diante porém da escassez de sementes dessa natureza é o colorau adicionado na sua fabricação de grande percentagem de milho, numa porção de 2:1 para cada uma dessas espécies de sementes”. Nascia nessa época o colorau como é comercializado hoje.
          A literatura descreve a obtenção do colorífico por diferentes processos que vão desde técnicas rudimentares, como a pilagem, a tecnologias industriais mais complexas como a utilização do corante extraído das sementes e misturado a farinha de milho e sal. A produção do colorífico pode envolver ou não a moagem das sementes e a mistura da semente moída no produto final.
          FREIRE em sua publicação de 1936 descreve assim a produção do colorau: “são as sementes de urucum, separadamente, submetidas a um banho de azeite vegetal em quantidade suficiente para amolecê-las um pouco e ainda para melhor poderem transmitir à massa a cor que lhe é característica. Feita depois convenientemente a mistura com o milho, são as sementes imediatamente levadas aos quebradores ou britadores, até ficar com aspecto granuloso. Depois, passam aos moinhos simples ou duplos de fabricação italiana e logo em seguida a uma máquina refinadora a fim de tornar a massa não só homogênea como macia ao tato... Desta arte está pronto e em condições de entrar no mercado o colorau. Este, por sua vez é enlatado, rotulado e vendido em latas de 1, 2 e 5 quilos...” ou “...a granel, em pacotes”.
 
          Industrialmente a produção de colorífico tem sido realizada por três processos distintos. Em dois desses processos o colorífico é produzido a partir do processamento direto das sementes de urucum, e a diferença entre eles consiste basicamente na participação ou não da semente no produto final. No terceiro processo o colorífico é produzido a partir da mistura do fubá com o corante já extraído das sementes de urucum.
          Vamos apresentar nas próximas postagens um resumo das principais tecnologias para produção industrial do colorífico e uma técnica doméstica para a produção desse condimento.







sábado, 4 de outubro de 2014

O urucum além da cor vermelha

         
         Os caboclos já sabiam há muito tempo o que agora está sendo descoberto: a semente de urucum pode conter muito mais do que os pigmentos corantes que lhe dá tanta fama. As sementes de urucum têm sido utilizadas no tratamento popular das mais variadas moléstias. Barbosa Filho1 cita os mais diferentes usos do urucum na medicina popular, entre eles: anti-inflamatório, antimalárico, cardiotônico, digestivo, estomáquico, expectorante, febrífugo, hipotensivo, laxativo, no tratamento de queimadura, como repelente de inseto e no combate à tosse.

        Apesar da ausência de comprovação científica da eficácia do urucum no tratamento desses males, uma questão sempre é levantada: o que tem na semente de urucum que poderia lhe dar algumas dessas propriedades? Essa pergunta tem sido parcialmente respondida com a descoberta de substâncias com importantes propriedades farmacológicas. Entre essas substancias destacam-se o tocotrienol e o geranilgeraniol.

        Os tocotrienóis são substâncias que apresentam forte atividade antioxidante e são mais conhecidas como uma das formas da vitamina E. A atividade antioxidante dos tocotrienóis bloqueia as reações de oxidação dos lipídios, protegendo a membrana celular do ataque de radicais livres. São citadas ainda, propriedades neuro-protetivas, anti-câncer e redutoras do colesterol. A concentração de tocorienol nas sementes de urucum pode chegar a mais de 1%.

          O geranilgeraniol é conhecido como um intermediário de biossínteses importantes, como vitamina K, tocoferóis e tocotrienóis, hormônios e carotenóides. Na medicina o geranilgeraniol tem seu uso citado na profilaxia e no tratamento de diversos tipos de câncer. Algumas variedades de urucum chegam a apresentar em suas sementes mais de 2% de geranilgeraniol.
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[1] BARBOSA FILHO, J. M. Bixa orellana: Retrospectiva de uso populares, atividades biológicas, fitoquímica e emprego na fitocosmética, no continente americano. Anais do Simpósio Brasileiro de Urucum, João Pessoa, PB.